quinta-feira, 2 de julho de 2015

UMA SEMANA COM O JAC J3 IEV



Quem gosta de carro passa boa parte da vida buscando experiências diferentes de condução. O Brasil pode não ter o mercado mais variado do mundo, mas hoje em dia ninguém pode reclamar da falta de opções. Neste balaio, à disposição do consumidor - e de quem curte dirigir -, há motores de 3, 4, 5, 6, 8 cilindros ou mais, câmbios mecânicos, automáticos, CVT, automatizados com 1 ou 2 embreagens e muita eletrônica embarcada em tudo que é tipo de carroceria. Mas ainda que seja preciso assimilar bastante informação para conseguir extrair tudo o que um carro de hoje pode oferecer, a essência para quem dirige permanece a mesma: motor a combustão, câmbio, torque, potência e sentidos a postos para avaliar a forma como se comporta um modelo.


E se colocam na sua mão um carro que não precisa de giro pra disponibilizar torque, que na prática não tem câmbio e que não te permite sequer usar a audição para avaliar o funcionamento do motor? Na semana que passei com o JAC J3 IEV, o sedanzinho 100% elétrico baseado no J3 Turin e todo enfeitado com motivos ecológicos, fui obrigado a rever todos os meus conceitos sobre experiências de condução.



Trazer modelos de outras cidades até Valinhos, onde fica nossa redação, é sempre a primeira oportunidade para sentir as reações de aceleração, retomada, estabilidade e dirigibilidade. Com o IEV, primeiro elétrico que passou por minhas mãos, essas questões sequer entraram em pauta a princípio. Isso porque o carro nos foi entregue com 75% de carga e a autonomia, com as baterias totalmente carregadas e "em condições ideais" - sem acelerações bruscas, sem ladeiras, sem congestionamentos e sem uso intenso dos itens de conveniência do carro -, é limitada a 170 km. O primeiro contato com o JAC elétrico virou uma corrida de economia, com o pé apenas roçando o acelerador, a velocidade não ultrapassando os 90 km/h na Rodovia Anhanguera e todas as descidas sistematicamente aproveitadas para recarregar a bateria.

Nisso, porém, não há demérito. O JAC IEV, como a maioria dos modelos elétricos vendidos no mundo, foi concebido para ser um veículo de transporte urbano. Nele a brincadeira de economizar, mesmo involuntariamente, acaba se tornando coisa séria e você se pega reaprendendo a conduzir. Os deslocamentos passam a ser mais racionais, mais calculados e você se vê mais paciente no trânsito.


Bom acabamento, bancos revestidos em couro claro e central multimídia diferenciam o IEV dos outros J3. Volante na foto é diferente do encontrado na unidade que avaliamos

À primeira vista não há tanta diferença do IEV para outros carros, mas grande parte do que estamos acostumados a encontrar num carro comum não está ali. O acabamento da cabine é bom, predominantemente claro e minimalista. O painel é composto em plásticos de 2 tons, com a parte inferior combinando com o couro de boa qualidade dos bancos e uma central multimídia ao centro, e até aí tudo igual. Para dar a partida, porém, é preciso virar a chave do mesmo jeito mas em vez de barulho de motor só a palavra "Ready" (Pronto) se acende no painel. No lugar da alavanca de câmbio há, digamos, uma "alavanca seletora" com as posições D, N e R. Na prática ela apenas inverte a rotação do motor, fazendo o carro ir para a frente e para trás. Isso porque em motores elétricos como o utilizado neste JAC o eixo do motor é rigidamente acoplado às rodas e não se faz necessário mais do que uma engrenagem de redução simples para movimentar o carro.


Alavanca seletora contem somente as posições D, N e R

A potência disponível é de 42 kW, algo em torno de 57 cv. O torque equivalente não é informado pela JAC, mas como em todo motor elétrico é instantâneo, disponível a partir de 1 rpm, e nas acelerações é possível comparar o IEV a um carro com motor 1.4. Em movimento não se ouve mais do que o barulho dos pneus contra o asfalto e algum ruído aerodinâmico. Tirando o pé do acelerador percebe-se uma desaceleração semelhante à de um freio-motor, ainda que de modo sensível, especialmente quando se encosta no pedal do freio sem pressioná-lo.


Motor gera 42 kW ou 57 cv. Torque não é informado pela JAC mas é suficiente para rodar na cidade

Dirigir o IEV em Valinhos e seus arredores foi uma experiência triplamente gratificante. A novidade em si e o fato de me sentir no futuro já valeriam o ensejo, mas o conforto de rodagem surpreendeu. A suspensão macia, com ajuste bem ao gosto do consumidor chinês, filtra imperfeições como num sedã maior. A distribuição de peso, por outro lado, é afetada tanto pelo peso maior que o de um J3 Turin comum (o IEV pesa 1.220 kg) quanto pelo posicionamento das baterias abaixo do assoalho do porta-malas, o que modifica o centro de gravidade do carro. Com isso, a direção se torna bastante leve em movimento e deixa o carro bem menos afeito a velocidades altas. Mas, claro, ele não foi feito pra isso.


IEV, denunciado pela plotagem e pelo emblema na tampa do porta-malas, é igual a um J3 Turin comum

O mais legal foi o quanto ele chamou a atenção. Várias vezes, enquanto parado em semáforos, notei pessoas comentando coisas como "Olha, que legal, é elétrico!". O motorista de uma van de carga chegou a emparelhar com o carro para, depois, comentar com o colega no semáforo: "Caraca, não faz barulho mesmo!" Duas ocasiões foram ainda mais especiais, quando fui a lojas de conveniência em postos de combustível e não consegui sair antes de, a pedidos dos frentistas e de outros usuários, abrir o capô, o porta-malas, o bocal de abastecimento e ainda "dar a partida" para conferirem que o motor realmente não faz barulho.


Viabilidade dos elétricos esbarra no custo proibitivo, na falta de infraestrutura de recarga e na baixa autonomia

Mas mesmo sendo um carro bacana pra se ter o JAC IEV, como qualquer outro elétrico no Brasil, ainda não é viável para o consumidor comum. Sua importação esbarra em três problemas cruciais para o brasileiro, sendo o primeiro deles a falta de incentivo fiscal. Na China o valor pedido pela JAC por um IEV4 como o que avaliamos é de aproximadamente R$ 42 mil, mas se viesse para o Brasil ele custaria mais de R$ 100 mil reais.


Recarga do IEV leva 12 horas no modo lento e 6 no modo rápido

O segundo empecilho envolve a autonomia e o tempo de reabastecimento. Carregar as baterias do IEV não é difícil já que ele tem no porta-malas um adaptador e 2 cabos, sendo um deles com um plugue trifásico (daqueles usados para ligar o cabo de máquinas de lavar roupa) e o outro com 2 extremidades iguais, a que tem trava verde indo no adaptador e a amarela no bocal de recarga do carro. A questão é que isso leva 12 horas no modo lento e 6 no rápido; ideal é sempre chegar em casa e já plugar o carro na tomada, deixando-o de um dia para o outro. Isso porém, além da autonomia curta, inviabiliza o IEV como único carro da casa.

O terceiro problema é a falta de estrutura de abastecimento. A CPFL, fornecedora de energia elétrica para toda a região de Campinas, tem se esforçado para regularizar o fornecimento de energia para recarga de veículos elétricos que rodam por aqui, mas o que constatamos ao conversar com um dos analistas da companhia mostrou que o caminho a percorrer ainda é longo.


CPFL mantém frota para uso interno e para programa de pesquisa de implementação de rede de abastecimento

Em maio passado a cidade de Campinas recebeu os dois primeiros táxis 100% elétricos da cidade. A CPFL, em parceria com os taxistas e avançando em seu programa de pesquisa e desenvolvimento para estudo do impacto da utilização de veículos elétricos na região, prometeu contribuir construindo e implementando 2 postos de recarga na cidade, sendo um deles no pátio externo da sede da própria empresa, de forma que os táxis possam ser recarregados a qualquer momento.

Este mesmo programa de pesquisa prevê ainda a implementação de até 30 pontos de recarga em shoppings, postos de serviços e locadoras de carros em toda a região de Campinas. Algumas empresas (sendo uma delas em Valinhos) já contam com veículos elétricos em sua frota e pontos de recarga instalados pela companhia em seus pátios, de forma a possibilitar a coleta de dados sobre o uso e recarga desses veículos. A mais recente parceria foi firmada entre a CPFL e a rede Graal de postos de serviços e conveniência para a construção do primeiro corredor intermunicipal para veículos elétricos do país, interligando as cidades de Campinas e São Paulo. Os "eletropostos", que funcionarão 24 horas por dia, permitirão o reabastecimento de 80% da bateria em até meia hora, com a própria rede Graal arcando com o custo da energia elétrica disponibilizada gratuitamente aos usuários e a CPFL custeando a construção e implementação.


Custo a cada 100 km rodados é de R$ 6,29 num IEV e aproximadamente R$ 18 num J3 Turin flex com etanol

Sabe-se que o custo por quilômetro rodado em um carro elétrico pode ser muitas vezes menor que o de um modelo movido por motor a combustão. No JAC IEV, por exemplo, o custo por quilômetro rodado chega a ser 3 vezes menor que o de um JAC J3 Turin S com etanol no tanque - somente para continuar "verde". `Para se ter uma ideia, com média aproximada de 11 km/l e com o litro do etanol sendo vendido com preço médio de R$ 2,00 na região de Campinas, o Turin S gasta em média R$ 18,00 para rodar 100 km. O IEV, por sua vez, tem gasto estimado de 15 kWh para cada 100 km; com o kWh distribuído pela CPFL custando R$ 0,41964 o custo por quilômetro rodado cai para R$ 6,29.


Há poucos estabelecimentos preparados para receber elétricos em seus estacionamentos na região de Campinas

Mas para chegar lá o programa da CPFL depende ainda dos resultados de estudos sobre o impacto na rede elétrica, os aprimoramentos regulatórios e legais, o ciclo de vida e reaproveitamento das baterias, implementação de tarifas e cobrança, planejamento da expansão do sistema e modelos de negócios para a mobilidade elétrica no Brasil. Por enquanto 95% do que se propõe não saiu da fase de projeto. Outros estabelecimentos da região tentam se adequar a uma nova realidade "ecologicamente consciente", mas ainda falta infra-estrutura para suportar uma demanda por veículos elétricos. Um supermercado em Valinhos, por exemplo, tem 2 vagas reservadas a veículos com baixa emissão de poluentes, mas nenhuma delas com tomada.



Por estas e outras a JAC não tem qualquer intenção de comercializar o IEV4 aqui no Brasil. Bom produto, este sedã atenderia bem à demanda por veículos estritamente urbanos e ainda ofereceria espaço interno satisfatório para a maioria dos deslocamentos na cidade. Mas sem o que é preciso para viabilizar sua comercialização por aqui ela fez o que estava ao seu alcance: trouxe um único carro e deixou em nós o gostinho do futuro.

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